quarta-feira, 23 de setembro de 2015

P699: NO REGRESSO AOS NOSSOS CONVÍVIOS...


P698: DO JUVENAL, MAIS UMA DE FARMÁCIAS...

Meus caros, agora que o Outono chegou é altura de verem se têm as vacinas contra a gripe em dia para depois não se virem queixar que não podem ir aos convívios da Tabanca do Centro.
Para isso nada melhor que uma estória sobre farmácias…

O DR. CARLOS EPIFÂNIO

As estórias das farmácias… ou como diria o José Hermano Saraiva, que diria “foi… foi ali... naquele estabelecimento que se curou das suas maleitas o príncipe D. Afonso”. Algumas são tão velhas que acabam por pertencer a milhares de boticas e seus ilustres boticários.

Convém informar os caríssimos confrades desta Tabanca que esta é mesmo verdade, sabendo eu que nunca será preciso jurar a pés juntos para que esta minha simples narração seja posta em causa e assim, pôr a altíssima figura que passo a apresentar, numa situação de menoridade perante a História.

Toda a gente conhece em Alcobaça a Farmácia Epifânio, de que foi em tempos responsável técnico o Dr. Carlos Epifânio (*), figura impar do pião e almofariz, o qual estudou em Coimbra, onde deixou vastíssimas legiões de apreciadores dos seus dotes, sendo lá conhecido pelo honrosos cognome de o VENENO.

Pessoa de enorme estatura (um metro e cinquenta e tal…) vem assim provar que os homens não se medem aos palmos; e era ver uma roda de rapaziada à volta dele para ouvir na sua cateterística voz fanhosa, as suas estórias de estudante universitário, durante os intervalos no Cine Teatro de Alcobaça. Naquele tempo havia sessões às Quintas, Sextas, Sábados e Domingos, com a sala quase ou sempre cheia de espectadores. Não se falava ainda dos clubes de vídeos, que nos permitem ver em casa os que queremos, mesmo os mais malandrecos, coisa impensável pela moral e bons costumes de então.

Ele capitalizava de tal forma as atenções que a malta  deixava por vezes o filme a meio para o ouvir e, não muito raramente, o Sr. Neves, responsável pela  sala, vinha mandar-nos calar quando a risota ultrapassava o volume razoável para quem tinha reocupado o seu lugar e queria continuar a ver o filme.

Mas estórias que ele contava eram umas, porque depois havia as que contavam a respeito dele.

É uma dessas que passo a contar.                

Um belo dia apresentou-se um homem na sua farmácia à procura de uns famosos comprimidos. Era voz corrente ser uma especialidade daquele estabelecimento e do seu director técnico. Não sendo na altura de cor azul, eram um autêntico milagre em matéria de relacionamentos, punham as coisas no lugar, perfilando assim uma coisa para além do ego do freguês.

Assim foi, o homem esperou de parte para falar com o ilustre farmacêutico, não fosse alguma incauta dama, na sua total ignorância, sujeitar-se a penetrar na famosa botica que tanta fama tinha.

Quando o homem lhe transmitiu ao que vinha, o nosso herói fez uma risada curta e fanhosa e disse ao ajudante para ir buscar o medicamento. Era este o não menos famoso Mário (Farelo), responsável por algumas gravidezes indesejáveis quando por sacanice, resolveu pregar uma partida a alguns fregueses e lhes vendeu preservativos, que ele antes tinha criteriosamente furado com uma agulha finíssima…

Assim foi, mas no acto de pagar o homem apresentou uma nota de mil escudos, que - já se vê - era naquele tempo uma importância de respeito e para a qual não tinham troco. O homem, conciliador, disse “Olhe, vou ali ao Café Portugal tomar alguma coisa, que ainda estou a jejum, e já cá venho pagar”.

O tempo foi passando e, já próximo da hora do almoço e do encerramento da farmácia, o nosso doutor mandou o Mário ao Café Portugal para saber do homem. Lá o responsável, Sr. José Afonso, informou-o que ele só tinha uma nota grande, que tinha ido à Papelaria Império para a trocar e que já vinha pagar a conta.

O nosso Mário seguiu a pista qual cão pisteiro e ao apresentar ao que vinha ao Sr. Adelino da papelaria levou com igual resposta, que já conhecia dos outros estabelecimentos, pois entretanto o gastador compulsivo tinha ido à loja de ferragens do Sr. Gilberto Coutinho para trocar a malfadada nota. A verdade é que o homem nunca mais apareceu…

No dia seguinte alguém pegou com o Carlos Epifânio a respeito dos milagrosos comprimidos, que no seu palavreado tão correntemente polido onde juntava algumas palavras começadas com “C”,  respondeu assim:

- São do melhor, ainda ontem me apareceu cá um gajo logo ao abrir a porta, que me comprou uma embalagem e até à hora do almoço aquele ***** já lixou (F enorme) quatro ou cinco!

Depois venham cá dizer que eles não dão resultado…

Uma boa semana e não se cansem muito, pois Sexta Feira é preciso estar em forma!

Juvenal Amado


(*) Como nota de rodapé não resistimos a "desviar", de um texto do nosso amigo JERO, um extracto do que sobre o Dr. Epifânio ele refere. Com a devida vénia, claro:

Carlos Epifânio da Franca, “O Veneno”, que herdou a farmácia (ao tempo”pharmácia”) de seu pai António Epiphânio da Franca (1868-1939).

A sua irreverência, os seus ditos espirituosos, apimentados e com utilização de português vernáculo, deixaram uma memória que foi passando de geração em geração, já que foi na verdade uma figura mítica, absolutamente invulgar. Toda a gente sabe uma história a seu respeito - nem sempre contáveis mas com uma graça única. À Carlos Epifânio.

Algumas das pessoas que com ele trabalharam também passaram à “história de Alcobaça”, como são os casos de Manuel Gonçalves (vulgo Manuel das Laranjadas), Mário Belo e o “Farelo”. Este último ficou associado a algumas estórias deliciosas.

Para os mais novos vamos “deixar” uma das que ouvimos em “miúdo” (...):

(...) Ter-se-á passado num dia de mercado semanal (quando as pessoas das aldeias vizinhas se deslocavam em grande número à sede do concelho para tratar dos mais diversos assuntos). Um aldeão apresentou-se na Farmácia Epifânio para mostrar uma mão em muito mau estado. Um dedo tinha um corte profundo e a mão estava inchada e muito vermelho. Era óbvio que a ferida estava infectada.Na sua voz nasalada Carlos Epifânio perguntou-lhe como é que ele tinha “arranjado” aquele ferimento tão feio. O “paciente” respondeu que se tinha cortado com um podão e para ajudar a cicatrização fez o que era costume na sua terra: - urinou no ferimento para ajudar a cicatrização da ferida.

A resposta do farmacêutico foi imediata e “venenosa”:- "Ah mijaste-lhe?! Então agora caga-lhe!!!"

As cenas seguintes não passaram à história mas não acreditamos que Carlos Epifânio não tenha recomendado um medicamento adequado para a infecção do “mijão”!
Do Blogue do JERO

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

P696: VASCO DA GAMA - UMA DE FARMÁCIAS

HISTÓRIAS FARMACÊUTICAS VERDADEIRAS

A errática Tabanca do Centro publicou há uns meses a esta parte um conjunto de historietas acontecidas em farmácias, da autoria do nosso ilustre camarigo JERO, jornalista de Alcobaça e Homem com obra publicada. Eu, pobre aprendiz da “escrevinhação”, vou atrever-me também a contar uma história, verdadeira, que me foi relatada há umas semanas por um amigo de há muitos anos, amizade que reciprocamente dedicamos desde os tempos do Jardim Escola.

O que vos conto aconteceu em inícios da década de cinquenta, alguns de nós ainda não nascidos, outros muito crianças, mas com memória capaz de saber como funcionavam as farmácias que, para além de cumprirem a sua função de venda de medicamentos, eram também locais de tertúlia e de “consultório médico”, pois médico era uma profissão que rareava nas cidades e vilas da província.

Até no meu imponente Buarcos lindo sempre à frente da extinta freguesia vizinha de São Julião, existia apenas um médico, por sinal primo direito do meu pai, o Dr. Fernando Traqueia, autêntico João Semana, hoje perpetuado num busto que o povo de Buarcos em justa homenagem lhe dedicou.

A farmácia, que ainda hoje existe com o mesmo nome, e onde se passou o que vos relato, situada na Figueira da Foz, não fugia à regra no auxílio aos fregueses mais assíduos e próximos, com “consultas” de carácter mais intimista e de desenrascanço, a melhor arma do português.

O ajudante de farmácia, Monito de sua alcunha, desenrascava tudo e todos, sempre com ar dominador de dentro do balcão, capaz de atender duas ou três pessoas ao mesmo tempo e é um dos personagens principais, a par do “cliente” J.A., empregado, na altura, na Hidráulica da Figueira da Foz.

O senhor J.A. era um homem atarracado, a puxar para o forte e por demais conhecido pelas suas aventuras amorosas. Muito pouco praticante da castidade, da abstinência sexual e da fidelidade conjugal, era cliente habitual, que se apresentava ao Monito sempre com queixas de doenças venéreas, referência a Vénus, deusa etrusca do Amor!

Falavam em código, e um belo dia, após tratamento aturado do Monito, o senhor J.A. entra na farmácia com um sorriso rasgado e logo o Monito lhe pergunta de dentro do balcão, com a farmácia cheia de gente:

- Então, Senhor J.A., o “braço” está melhor?

- Muito melhor! Já mijo bem!

Dr. Seringa, historiador da FRELIBU

terça-feira, 15 de setembro de 2015

P695: KAMBUTA - A RECEPÇÃO AOS "MAÇARICOS"

FUI PARA A GUERRA PARA OS DEMBOS,
NORTE DE ANGOLA, EM 1973.
REGRESSEI EM 1975 - PARECE QUE FOI ONTEM

Já lá vão 42 anos, parece que foi ontem.
Recordo com alegria e satisfação tudo o que já lá vai, pois fui daqueles Combatentes que foram para a guerra do ultramar na década sessenta/setenta que tiveram a felicidade de ir e voltar com vida, o que não aconteceu a muitos que tombaram por lá. E a outros que já tombaram por cá e não podem contar as suas histórias como eu e outros companheiros.

Foi no longínquo ano de 1973, mas bem próximo na minha memória. A nossa companhia desembarcou no aeroporto de Luanda às nove horas da manhã, fomos colocados em Berliets que nos esperavam e que nos levaram para o Grafanil. Eu era um rapazinho nascido e criado numa aldeia rural do Vale do Lis, habituado a viver e crescer na aldeia, nos campos e pinhais e que não trocava a sua aldeia por nenhuma cidade do mundo. Afinal, mal conhecia a minha cidade de Leiria. Lisboa, essa, só de passagem quando fui para o aeroporto para embarcar para Angola.

Assim que desembarcámos e ao passarmos pelas ruas da cidade de Luanda em direcção ao Grafanil, tanto eu como a maioria dos meus camaradas íamos pasmados e de boca aberta ao vermos tanta beleza - uma cidade nova em tudo e muito linda, muito colorida, com as lindas acácias e lindos e perfeitos prédios, uma cidade maravilhosa onde se viam muitas pessoas brancas e negras, estas em maior número.

Passámos quatro dias no Grafanil. Havia ali um cinema e um bar onde podíamos comprar bebidas; foi aí que conheci e comecei a beber groselha e coca-cola.

A primeira lição que aprendi em Angola foi logo no primeiro dia, à tardinha, ali no bar do Grafanil. Aproximei-me de uma enorme árvore com suculentos frutos. Antes de apanhar um para provar não o quis fazer sem me esclarecer pois não sabia quem era o dono. Ia a passar um militar negro com a farda de camuflado já muito velha e fiz-lhe esta pergunta «Ó preto, sabes dizer-me que árvore é esta? E será que estes frutos são bons para comer? Se forem, posso apanhar um?»

O soldado negro parou, ouviu as minhas perguntas e calmamente respondeu «Meu amigo, vê-se bem que és maçarico e ninguém te ensinou o mais importante, saber falar com as pessoas de outra cor. Não te preocupes, amigo, eu vou ensinar-te. Olha, trata a pessoa de outra cor por Patrício. Este nome aqui em Angola quer dizer que somos da mesma cor. Queres ver como vou tratar aquele branco?” Ele chamou um soldado branco velhinho por Patrício, e entenderam-se; tomei consciência de que era a primeira lição que eu aprendia na minha comissão.

Ainda deu para ir com os meus colegas a pé conhecer algumas ruas e avenidas e as praias de Luanda e a bela e maravilhosa baía. Gostei. Chegou então o dia de partirmos com destino a Quibaxe, que ficava a duzentos quilómetros de distância. Para meu espanto o nosso transporte foi em camionetas de taipais altos que por cá eram utilizadas para transportar porcos e vacas… Fizemos o percurso em velocidade lenta; tendo saído de madrugada chegámos a Quibaxe à noite; mantivemo-nos em pé durante todo o trajecto, encostados aos taipais e de arma em punho, seguindo as ordens do nosso Comandante.

Lembro que passámos ao Caxito, ao Úcua, onde páramos. Fiquei muito triste e perturbado ao ver crianças e idosos negros falando o português a pedir a nossa ração de combate, dizendo que tinham fome. Pensei no momento «Então, afinal diz-se que Angola é Portugal, mas em Portugal nunca vi isto! Que guerra é esta com toda esta gente com fome a pedir comida?».

Antes de chegarmos à Pedra Verde, a coluna de camionetas de transporte de gado parou. Um oficial avisou para termos muita atenção, que a todo o momento podíamos sofrer uma emboscada. Nenhum de nós sabia o que era uma emboscada… e logo todos nós ali metidos em gaiolas de porcos e vacas…
Mesmo ao passarmos junto da Pedra Verde ouvimos um tiro, ali bem pertinho de nós. Toda a coluna parou, ninguém se mexeu. Alguém foi perguntar-nos se tínhamos sido nós - não tinha sido ninguém da nossa malta, tinha sido na mata… e lá seguimos viagem.

Ao passarmos junto duma enorme Sanzala de nome Quesso, mesmo à beirinha da estrada, fiquei muito feliz e contente e com outra impressão diferente à que trazia na minha cabeça, ao ver no meio da Sanzala num alto mastro a minha linda e amada Bandeira. Ali estava representado o meu País, Portugal. Afinal aquele povo era tão português como eu.

Ao chegarmos ao Piri foi o fim da macacada. Estavam algumas Berliets carregadas de soldados em altos berros e cantorias, com muitos cartazes e uma improvisada câmara de televisão... Eram os soldados da companhia que íamos render que tinham vindo ali ao controlo para nos receberem e nos escoltarem até Quibaxe,

Foi um tormento até chegarmos ao Quartel… Para nós, que não estávamos preparados, foi uma cena um bocado revoltante para mim. Ainda recordo os cânticos que eles entoavam - e que nós, afinal, viríamos a utilizar mais tarde quando, no fim do nosso tempo, fomos rendidos por novos maçaricos…

«Maçaricos já chegaram, ai ai ai que coisa boa, fazem cá operações, fazem cá operações, e nós vamos para Lisboa»
«Ó maçarico, trabalha agora, olha a velhice que se vai embora, que se vai embora, que se vai embora»
«Ora vai para a mata, ó meu malandro, por tua causa é que eu aqui ando, é que eu aqui ando, é que eu aqui ando»

Mas nem tudo foi mau, todos nós debaixo de uma tremenda carrega de nervos, eu só pensava «Mas afinal que mal fiz eu para estar a receber esta palhaçada? Ai minha mãe, por favor vem buscar-me, isto é só gente doida».

Ao chegarmos em frente ao Quartel de Quibaxe fomos obrigados a dar a volta de honra por toda a vila, a servir de palhaços, mas finalmente lá entrámos no grande e maravilhoso Hotel 5 Estrelas que iria ser a nossa casa durante toda a nossa comissão.
Assim que entrámos à porta de armas passou a reinar finalmente a calma e o sossego; tudo serenou, desembarcámos das pocilgas dos porcos que não deixaram saudades a ninguém e fomos recebidos pelo Comandante velhinho e por todos os “veteranos”. 

Os velhinhos militares tentavam encontrar no meio da nossa malta conterrâneos seus. Eu encontrei um amigo de uma aldeia vizinha, que por sinal veio a ensinar-me o ABC daquela guerra e de toda aquela zona que eu desconhecia, o que me permitiu levar a bom termo uma comissão sem grandes percalços.

A noite chegou e a hora do tacho também. Fomos todos - velhinhos e maçaricos - para o refeitório Foi uma festa de arromba, comida boa e à farta com direito a baile, feito com um conjunto musical da Sanzala do Banza Quibaxe, que faziam inveja a qualquer um de cá da Metrópole. 

Os velhinhos, para nos animarem e para esquecermos a praxe que tínhamos levado, fizeram-nos uma surpresa. Foram às sanzalas vizinhas, convidaram as raparigas para participarem no baile, onde todas elas deram festival. Fizeram amizades com todos nós, maçaricos, agarraram-nos e ensinaram-nos a dançar merengue. Foi lindo, e no final cada um de nós ficámos a saber quem passava a ser a nossa lavadeira para toda a nossa comissão.

Foi em 1973, mas parece que foi ontem. Recordo esses momentos com alegria e satisfação.


Manuel “Kambuta dos Dembos” Lopes

sábado, 12 de setembro de 2015

P692: DIVULGAÇÃO

O nosso camarigo Mário Ley Garcia, presidente do núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, fez-nos chegar este anúncio do 4º Encontro dos Combatentes do Concelho de Leiria, a decorrer naquela cidade no próximo dia 20 de Setembro. Aqui fica a devida divulgação.



segunda-feira, 7 de setembro de 2015

P690: RECORDAÇÕES ANTIGAS... MAS SEMPRE ACTUAIS...

GUINÉ!

Guiné! Dos pântanos, das bolanhas, dos mosquitos e das febres.
  
Guiné! Da mata onde havia momentos em que todos os ruídos paravam.
Não se afastavam ou diminuíam, antes tudo se calava abruptamente, como se os seres vivos tivessem recebido uma ordem.

"Ouviam-se" então coisas impossíveis... o soprar húmido do vento, o suor dos nossos camuflados, a actividade frenética dos insectos, e mesmo, o bater do nosso coração.

Guiné! Dos escravos, das revoltas nativas, das muralhas do Cacheu, que lá estavam quando cheguei, e lá ficaram ao partir.

Guiné! Dos Fulas, Mandingas, noites de luar na Tabanca, falando dos "avós dos avós”, de outros "chãos" onde nunca houvera fome, dos pastores que no céu escuro guardam os rebanhos de estrelas.

Guiné! Dos Balantas, símbolo pujante da África que luta, que trabalha as suas chamas que também se sabe divertir.
(A velha aguardente de cana!)

Guiné! Dos Beafadas, Nalus, dos Papéis, dos guerreiros Felupes bebendo vinho de palma pelo crânio dos inimigos vencidos.

Guiné do matriacado Bijagó!

Guiné! De Bubaque... miragem de guerra!

Guiné! De Ponte Varela, "Copacabana" sem casa, sem gente, mas na qual num dia solarengo do princípio dos anos sessenta Brigitte Bardot (PASME-SE!) tomou bom banho de mar!


Guiné! Das bajudas de "mama firmada”, lavadeiras de tantas lamas, (e porque não?) de algumas águas bem cristalinas.

Guiné! De Bissau, vilória perdida, cidade feita de... avenida única... pouco mais!
Da cerveja gelada, das ostras grelhadas com molho picante, dos "mininos" vendendo mancarra em coloridos alguidares de esmalte.
Das tascas, dos "restaurantes" que serviam gostoso chabéu que o Joäossssssinho - Manjaco tão bem preparava!

Bissau das muralhas do forte da Amura, lembrança constante de um... estar pelas armas. 

Bissau da piscina em Clube de Oficiais, mas também Bissau do Hospital Militar.

Bissau! Os minutos que valiam ouro... roubados à morte que esperava no mato.

Guiné! Da violência, da guerra tribal... dividir para governar


Guiné! Do Comando Africano, jovem herói, usado e abusado para matar "os seus" em guerras não "suas".
Guiné de Amílcar Cabral! Que, com humildade, soube ouvir os gritos de um povo.
Do diálogo possível... e por tal... do "diálogo assassinado"! 
Guiné! Onde General destemido tentava tapar com mãos "nuas" os buracos nos diques, pretensiosamente levantados aos maremotos da História.

Saberia ele? Saberíamos nós?... Quando o víamos chegar aos locais mais perigosos da luta, ou visitar interessado os feridos, que olhávamos o último dos Comandantes África num Portugal que jamais seria o mesmo?

Guiné onde um Império acabou por ruir!
Guiné de um "círculo".
Dos amigos. Dos inimigos. Dos amigos-inimigos e, mais tarde, dos inimigos-amigos.

Guiné de tantas e profundas lições!

Terra vermelha de argila e sangue!
Da estrada de Buba a Aldeia Formosa, de Aldeia Formosa a Gandembel.

Terra que abraçámos com violência, quando contra ela nos comprimíamos em chão de emboscadas!

Terra que "comungámos" no pó e saliva que nos enchia a boca em rebentamento de minas!

Terra regada com tantas lágrimas de saudade, dramas pessoais, frustrações e dor... a juntarem-se às vossas... de povo africano mártir.

Guiné de Mampatá! Tabanca perdida na selva, onde, tão longe de tudo e todos, acabámos por nos "encontrar"!

Guiné que foi Vossa/Nossa, mas que hoje sendo Vossa/Vossa é bem mais Nossa que antes.

José Belo
Estocolmo, Setembro 1981



Imagens retiradas da Net, na sua maioria provenientes de "Luís Graça & Camaradas da Guiné" e "Ultramar Terraweb", que aqui reproduzimos com a devida vénia.