sexta-feira, 24 de outubro de 2014

P557: A GUERRA VISTA PELO "KAMBUTA"

Reproduzimos a reportagem do Correio da Manhã que foi recentemente publicada por aquele jornal, integrada na série de entrevistas com antigos combatentes da guerra em África. Depoimento do nosso camarigo Manuel "Kambuta dos Dembos" Lopes.


Poderão ter acesso ao texto do Correio da Manhã através deste link:

http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/eram_do_mpla_e_levaram_nos_ao_quartel.html

terça-feira, 21 de outubro de 2014

P556: DO MANUEL MAIA - 13



O PÓ DE  CADA DIA...
 
Madrugada alta
um cão latia,
o frio gelava as veias
o vento cortava os ossos.
e ele ali,
deitado,
camisa aberta
manga arregaçada,
uma vista arregalada,
morto há horas...
Era jovem,
"fizera" uns auto rádios
e ganhara o pó de cada dia...

Á mesma hora, o big-boss
muito bem falante
import-export, importante
discutia a droga, a C.E.E.., o futebol !
Tinha acesso aos lugares VIP
era endeusado por jornalistas babados,
incapazes de gritar alto,
O  rei vai nu !

                                               Manuel Maia

P555: O NOSSO PRÓXIMO CONVÍVIO, EM 31 DE OUTUBRO

INFORMAÇÃO PARA OS NOVATOS

Estamos a organizar o nosso 40º Encontro e, como sucede quando entramos na rotina, vamo-nos esquecendo de mencionar aquilo que para os "veteranos" é ponto assente, mas que é menos conhecido pelos que agora se iniciam nestes convívios.

Assim, lembramos que o valor a pagar pelo almoço é de 10 euros por cabeça, pagos no fim da refeição ao "tesoureiro" do grupo, o nosso camarigo Vitor Caseiro, coadjuvado por outro "voluntário", o José Jesus Rodrigues.

Ao valor da refeição - e por iniciativa de cada um - poderão adicionar-se alguns trocos que, acumulados, reverterão em devido tempo para um apoio pontual a um camarada combatente necessitado de ajuda - o qe já sucedeu anteriormente e pretendemos continuar a fazer.

O simpático preço da refeição proposto pela nossa anfitriã, D. Preciosa - responsável pela Pensão Montanha, onde decorrem os nossos convívios - é um valor que se mantém já há bastante tempo e que não deixa margem para grandes lucros para a casa. 

Por isso lembramos que é sempre bem vinda uma oferta pontual de um digestivo para assentar o cozido no fim da refeição, da parte de algum(ns) dos participantes - portanto sem custos para a casa. 

A Tabanca do Centro

sábado, 18 de outubro de 2014

P554: OPTIMIZANDO OS RECURSOS?...



PRAGMATISMOS NÓRDICOS,
SENSIBILIDADES LUSITANAS…

Não sei se este alinhavar de ideias  será  pesado para o blogue.
São o resultado de alguns dos muitos choques culturais Norte/Sul, demasiadamente referidos, mas... bem pouco compreendidos.

Há já uns bons anos tive a oportunidade de assistir a um programa da televisão sueca relacionado com a morte, e com o dia a dia do funcionamento do crematório central de uma cidade média local.

Como na Escandinávia a cremação tem raízes antigas e profundas, a percentagem de indivíduos cremados é de mais de 90%.

A maneira prática funcional, como todo o procedimento é efectuado, foi detalhadamente mostrado no longo filme, até ao ponto de apresentar imagens das pausas existentes num dia de trabalho de oito horas, para os funcionários tomarem um café, fumarem um cigarro, ou almoçar.

O filme seria quase macabro não fora apresentado de uma tal perspectiva técnica e funcional que mais se associa a uma moderna fábrica de maquinaria sofisticada.

Políticos locais, responsáveis pela economia da cidade apresentada como exemplo no filme (Örebro),chegaram à conclusão de que 2/3 do calor necessário para as cremações poderia ser reaproveitado para fins de aquecimento (aqui tão importante e providenciado a nível central) a um bom número de zonas habitacionais da respectiva cidade.

Depois das contas feitas e com o tal pragmatismo nórdico, as vantagens económicas da solução tornaram-se mais do que evidentes.

O José Belo com o seu anarquismo lusitano poderá tentar fazer humor sobre o caso dizendo que mais de metade dos apartamentos e vivendas de Örebro são diariamente aquecidos com o calor emanado (e aproveitado) depois da cremação dos corpos das avozinhas, crianças, pais, mães ou irmãos dos habitantes locais.

Mas, e dentro de uma perspectiva ético-moral, estes pragmatismos económicos realizados à custa de valores fundamentais de respeito pela pessoa humana, mesmo na sua condição de cadáver, trazem à mente associações demasiado próximas valorativamente com os recentes, e aqui vizinhos, campos de extermínio.

Só espero que isto não chegue ao conhecimento de alguns dos nossos GENIAIS políticos, salvadores da economia… a todo o custo.

Um abraço do
José Belo

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

P553: VEM AÍ MAIS UM CONVÍVIO!

INFORMAÇÃO ACTUALIZADA SOBRE AS INSCRIÇÕES IRÁ SENDO DISPONIBILIZADA
NA COLUNA DA DIREITA

domingo, 12 de outubro de 2014

P552: JERO - CRÓNICAS DOS TRIBUNAIS / 1



AMORES SEM ESPERANÇA…

Como já referi em “crónicas” anteriores o Tribunal de Alcobaça estava instalado no piso superior da Ala Norte do Mosteiro de Santa Maria. 

No piso debaixo, no antigo Claustro da Portaria, funcionava a cadeia. Na entrada da cadeia o carcereiro tinha direito a uma espécie de gabinete e, numa sala contígua, estava instalado o “espaço feminino” da prisão.

Em 1960, vinham ainda longe os tempos da liberalização do aborto, estavam presas duas mulheres na cadeia de Alcobaça.
Um aborto nesses tempos quando era descoberto incriminava normalmente, quem o fazia – a parteira – e quem a ele se submetia – a mulher grávida. Era o caso.

No lado masculino da cadeia, que englobava uma dúzia de celas e um pátio de “lazer”, havia presos a cumprir penas ligeiras, outros a aguardar julgamento e alguns já julgados e condenados a penas mais severas. Que aguardavam transferência para cadeias nacionais (Alcoentre, Leiria, Lisboa, etc.). 

Um preso condenado a 8 anos de cadeia, nazareno por nascimento e pedreiro de profissão, era dos mais jovens da “tripulação” prisional. Num dia aziago tinha-se envolvido numa discussão com um colega de profissão e respondeu a uma estalada com o que tinha mais à mão. Uma picadeira (um martelo de picar paredes), que não deixou em bom estado a cabeça do seu antagonista, que sofreu um grave traumatismo craniano. 

O Coletivo de Juízes teve mão pesada e aplicou-lhe 8 anos de prisão efectiva.
O jovem aguardava na cadeia de Alcobaça transferência para uma cadeia nacional. A rapariga passava por situação idêntica.

Com longos dias e meses a cumprir naquele espaço fechado começaram a falar-se junto da porta que os separava. A velha porta do pátio era de madeira e tinha fendas.  A porta fechada do pátio cada vez aproximava mais os protagonistas da história que, com o decorrer do tempo, além dos olhares apaixonados se passaram a tocar com as pontas dos dedos.

Através das fendas da velha porta de madeira, a rogo do jovem, a presa foi satisfazendo alguns pedidos mais ousados do nazareno. Mostrava-lhe as pernas e outros encantos.

Estes intervalos de paixão eram interrompidos logo que o  carcereiro chegava ao seu gabinete. Contrariado, o jovem regressava à sua cela, aproveitando a solidão do seu pequeno espaço para sonhar com o encontro do dia seguinte.

Mas um dia a tutela prisional ordenou obras na velha cadeia. Vieram operários, com escadas, baldes de cal e pincéis. Repararam-se as celas e caiaram-se as velhas paredes da cadeia.

Com as obras a aproximaram-se do final os operários foram um dia almoçar fora com o carcereiro. E durante a hora do almoço as escadas ficaram no pátio… O nazareno viu a oportunidade única de aproveitar uma das escadas para passar por cima da porta. Para o lado das mulheres. E saltou.

Foi um momento de alta tensão. Tão alta que… algo lhe faltou.  A rapariga amparou-o nos braços e carinhosamente fez-lhe voltar algumas das “forças” que o salto tinha feito fraquejar…

Abraçaram-se arrebatadoramente. Num minuto de sofreguidão subiram até às nuvens e, de olhos fechados, voltaram à terra. Um último beijo e o “saltador” voltou para o pátio dos homens.

As obras acabaram na manhã do dia seguinte e a rotina dos dias anteriores recomeçou.  Conversas e roçar de dedos através das fendas da velha da porta do pátio.

Uns dois meses depois rebentou a “bronca”. A jovem detida teve dores de barriga e hemorragias e necessitou de cuidados médicos. O diagnóstico foi perentório. Estava grávida.

A partir dali as dores de barriga da jovem transmitiram-se também ao  Carcereiro e ao Delegado do Procurador da República, Diretor da cadeia por inerência das suas funções. 

Para apuramento de responsabilidades seguiu-se um processo disciplinar. De que fui escrivão, recordando que era então um rapaz a rondar os 20 anos.

No registo dos autos e no “registo” das minhas memórias não mais esqueci os rostos, os olhares, as angústias e os relatos dos amantes da velha cadeia do Tribunal de Alcobaça. No espaço do antigo Claustro da Portaria… A rapariga foi transferida pouco tempo depois para a cadeia de Tires, um estabelecimento prisional para mulheres. O nazareno foi para a cadeia de Leiria cumprir a longa pena a que tinha sido condenado. E, entretanto, o processo disciplinar foi arquivado…

Num recanto da minha cabeça, da minha memória nunca se apagou completamente a pungente história dos jovens amantes da Cadeia de Alcobaça. Que lhes terá acontecido?

Passaram mais de 50 anos. Na vida nem sempre se encontram todas as respostas. 
Terminamos com um voto. Que dos amores de Alcobaça tenha nascido uma menina. 
E que a essa menina tenha sido dado o nome de Esperança.




                                                                       JERO

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

P551: CUMPRINDO PROMESSAS...



AS PROMESSAS FEITAS PELOS FAMILIARES DOS SOLDADOS QUANDO ESTES IAM PARA O ULTRAMAR

No dia em que me despedi da minha família para ir para Santa Margarida para embarcar para Angola, a minha mãe, a minha madrinha e uma velhinha minha vizinha, abraçaram-me as três chorando, lavaram-me o rosto com as suas lágrimas, e a minha mãe apertando-me contra o seu peito chorando, foi dizendo: “Filho, vais para a guerra, faz pela tua vida já que não posso fazer nada por ti.” 

Naquele momento colocou-me um «terço, rosário de cor preta» ao meu pescoço, que me acompanhou em toda a minha comissão e que ainda hoje guardo religiosamente, porque para mim é um tesouro.

Recordo as últimas palavras dela ao dizer, “Filho vem com vida e saúde que a promessa que prometi a cumprirei, custe o que custar”. A minha madrinha e a velhinha que eu tanto adorava repetiram as mesmas palavras da minha mãe sobre as suas promessas.
No momento da despedida eu queria ir embora para não ouvir os gritos da minha querida mãe; abracei-a, apertei-a contra o meu peito e dirigi-lhe estas palavras, “Mãe, não chore, as suas lágrimas não resolvem nada, eu regressarei com vida e saúde”.

Fui embora com o pensamento “quanto mais depressa for mais depressa volto” e tentei esquecer os gritos da minha mãe - o que nunca consegui, pois ainda hoje os recordo.
Regressei com vida mas com alguns problemas de saúde que venho tentando ultrapassar, o que tem sido impossível.

As promessas prometidas pela minha mãe, minha madrinha e minha vizinha foram pagas. 

Eu já não me recordava mas, a primeira foi a da minha vizinha, foi no mês de Julho, dia de festa da aldeia. Sem eu saber o que se passava a velhinha avisou-me que eu e mais três rapazes que ela tinha escolhido tínhamos que ir vestidos a rigor com as fardas do camuflado, transportar o Santo Padroeiro e pagar a promessa. 

Eu, com muito respeito, fiz a vontade à senhora pois, se ela tinha feito a promessa é porque gostava de mim, o que me encheu de alegria. Foi ver a minha querida mãe e a velhinha e a minha madrinha ao meu lado fazendo todo o percurso a chorarem, mas desta vez de alegria.

A segunda foi no mês de Agosto. A minha madrinha pediu-me para eu ir com ela a pé a Fátima, vestido com a farda da guerra para pagar a promessa que ela tinha prometido.

Aceitei o pedido com muito gosto, foram quase cinquenta quilómetros feitos ao belo prazer. Ao chegar ao Santuário pediu-me para acabar de pagar a promessa com ela, fazendo o percurso de joelhos da Cruz Alta até à Capelinha das Aparições e dar dez voltas à mesma. Custou muito, mas fiz a vontade à minha madrinha, que ficou muito feliz e contente, reparando eu o quanto ela gostava de mim. 
No final pediu-me para eu oferecer toda a farda a Nossa Senhora. Eu não sabia que ela levava um saco com outra roupa minha e calçado; mas eu não queria ficar sem a farda, por isso fui falar com um padre meu vizinho que se encontrava no Santuário.

Este tinha sido Capelão em Angola em Nambuangongo; contei-lhe o que se passava, a minha intenção e o meu desejo, e ele aconselhou-me a ir embora com a farda que a promessa estava paga, que ele também tinha a dele e a guardava religiosamente. E assim fiz.

A terceira promessa a ser paga foi a que a minha querida mãe tinha prometido.

Tive que ir com ela de joelhos da minha cama até ao altar da capela da minha aldeia, que fica um pouco distante, e, ouvir a missa sempre de joelhos, vestido com a farda do camuflado. Fiz a vontade à minha querida mãe, que fez todo o percurso com a mãozinha dela agarrando a minha, muito feliz e contente por ter o filhinho dela a seu lado, e assim as promessas foram cumpridas.

Hoje, eu, Manuel, sou pai e avô, sei dar o valor e reconhecer o sofrimento da minha mãe, e de todas as mães e pais que viram partir os seus filhinhos para a guerra do ultramar assim como eu fui, pois uns regressaram e outros não.

Pais que ficaram sem filhos, assim como eu e outros, que sofremos até ao nosso último suspiro a perda de um filho.

Manuel “Kambuta dos Dembos” Lopes