sexta-feira, 29 de agosto de 2014
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
P531: QUATRO ANOS COMPLETADOS, A CAMINHO DOS CINCO...
O Miguel Pessoa, sempre incansável com o blogue da
Tabanca do Centro, pediu-me se lhe enviava um texto, mesmo antigo, para
publicar.
Comecei à procura, e depois pensei que com todo o
trabalho que o Miguel tem, merecia da minha parte um esforço para escrever algo
de novo, em vez de ir ao “arquivo”.
Lembrei-me então de escrever uma espécie de reflexão
(coisa importante, pois então), sobre a Tabanca do Centro e estes anos que vão
passando.
Em primeiro lugar, constato que a Tabanca do Centro é um
“fenómeno” de encontro, de alegria, de camarigagem e até de afectos, sem a
mínima dúvida.
Estaríamos bem longe de pensar, naquela viagem de
automóvel para o Porto e volta, que ainda hoje andaríamos a realizar almoços em
Monte Real, sempre a crescer em número de participantes, que mais não são
porque a sala não o permite.
Nascida da vontade de vários combatentes da Guiné,
radicados no centro do país, se reunirem periodicamente à volta do famoso
“cozido à portuguesa” da Pensão Montanha, em Monte Real, logo no primeiro
encontro/almoço recebeu combatentes vindos, não só do centro do país, mas
também de Lisboa e do Porto, alguns dos quais se tornaram dos membros mais
assíduos.
Logo também, sem nenhum problema, se abriram os
encontros/almoços a combatentes de outras guerras de África, e até, a alguns
jovens, (ou seja, gente abaixo dos 60 anos!), que queriam privar de perto com
estes “gloriosos malucos combatentes”, que um dia deixaram as suas “casinhas”
em Portugal, para irem passar umas “férias”, (normalmente de cerca de dois
anos), a paragens africanas, especialmente na Guiné, Angola e Moçambique.
Desde sempre a ideia e a prática, foi o encontro saudoso,
mas também salutar e catártico, alegre, mais ou menos ruidoso, e sobretudo
muito, muito unido, sem diferenças, nem grupos “especiais” ou pessoais.
Obviamente, cada um procura aqueles com quem tem mais
afinidades, mas nunca por nunca ser, se deixará criar grupos que de alguma
forma, sejam separados e não façam parte do todo que é a Tabanca do Centro.
E isto é muito importante, porque a Tabanca do Centro só
existe como unidade de combatentes, em que todos se respeitam e todos têm a
mesma dignidade, e se assim não for, é porque alguém não entendeu isso mesmo.
Alguns, como o Miguel Pessoa, quiseram assumir a missão
de relatar o que acontece nesses encontros, e, tirando do seu tempo em que
poderiam estar a conversar e a conviver com os outros, vão pelas mesas tirando
fotografias, aqui e acolá, e tentando que os que vêm pela primeira vez,
informem os seus dados completos, para depois receberem a já famosa revista
Karas da Tabanca do Centro, bem como as notícias dos encontros que irão ter
lugar.
É uma missão voluntária, que envolve esforço e muito
trabalho, e que, por isso mesmo, deveria ser sempre convenientemente
agradecida, e nunca criticada.
Os encontros/almoços da Tabanca do Centro são momentos de
convívio muito importantes para os combatentes, e não são nenhum “festival” de
“comezaina” em excesso, que não é, nem nunca será a intenção que nos norteia.
A Tabanca do Centro tem um “núcleo”, que ajuda e
aconselha, para que nunca se percam as intenções iniciais com que a mesma foi
fundada e esse núcleo é constituído pelo Miguel Pessoa, Vasco da Gama, José
Eduardo Oliveira (JERO) e Joaquim Mexia Alves.
Obviamente que todas as sugestões são bem vindas e
apreciadas, para melhorar sempre este encontro de combatentes, que se quer cada
vez mais unido.
Haveria tanto mais a dizer sobre a Tabanca do Centro, mas
o pessoal está de férias e o texto já vai longo.
Por isso mesmo, até 26 de Setembro, em Monte Real, onde
vos esperamos.
Monte Real, 25 de Agosto de 2014
Joaquim Mexia Alves
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
P530: DO JOSÉ BELO... LÁ DE LONGE
...Nós, os que voltámos, nunca iremos
esquecer o sabor acre daquela poeira vermelha que comungámos em rebentamentos
de minas.
Nós, os que voltámos, ainda hoje
sentimos o calor da terra que abraçámos e contra a qual nos comprimíamos em
desespero de emboscadas.
Nós, os que voltámos, ainda ouvimos o
ruído miraculoso das chuvas na mata... os odores variantes da terra molhada... os
trovões na noite tropical.
Nós, os que voltámos, recordamos o bater
matinal dos pilões em tabanca tranquila.
Nós, os que voltámos!
A terra vermelha lá está... Abraçando-os.
As chuvas caem, misturando-se com
invisíveis lágrimas de saudade...
Gritos abafados de "não haverem
sido".
Os relâmpagos iluminam as lajes, ano
após ano...
Ver-se-ão nomes?
Datas?
Referências militares?
Ou, simplesmente... um soldado de
Portugal... esquecido.
(Cemitério de Bissau/Talhão Militar.
Foto de Tiago Teixeira-2012)
José Belo
domingo, 17 de agosto de 2014
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
P528: LEMBRANDO UMA EVACUAÇÃO...
A DAR AO AMBU
A
actividade que nós, enfermeiras pára-quedistas, desenvolvíamos no Teatro de
Operações da Guiné, proporcionava-nos por vezes momentos de grande realização
profissional. As características particulares da geografia do território em
parte também ajudavam. Havia bastantes aquartelamentos a menos de 30/45 minutos
de voo do Hospital de Bissau, o que significava que, desde o pedido da
evacuação até à entrada do evacuado no hospital poderia decorrer, nesses casos,
um período máximo de duas horas, com a forte possibilidade de a evacuação ter o
apoio de uma enfermeira, o que aumentava um pouco mais as hipóteses de
sobrevivência do evacuado.
Também
o facto de o tempo gasto numa evacuação ser mais curto que noutros territórios
aumentava a disponibilidade das enfermeiras para fazerem mais evacuações e
garantia assim uma maior qualidade dos serviços prestados.
Estou
convencida que, comparativamente com os outros Teatros de Operações, essas
características permitiam que em igualdade da gravidade do estado dos
evacuados, o ferido tivesse mais hipóteses de sobreviver no território da Guiné
- possibilidade de maior apoio do pessoal de enfermagem e menor distância a
percorrer até à unidade hospitalar.
Assim,
viu-se muitas vezes evacuar feridos em estado desesperado que, devido ao apoio
rápido recebido, conseguiam sobreviver contra todas as expectativas. Essas
"vitórias" davam às enfermeiras uma grande motivação para prosseguir
o seu trabalho.
Lembro-me
de uma evacuação que fiz a Guidaje, com essas características. Estávamos em
1972 e fomos chamados para uma evacuação de um ferido militar em estado muito
grave. Tratava-se de um cabo enfermeiro do Hospital Militar de Bissau que, no
período de férias do enfermeiro colocado em Guidaje, o tinha ido substituir no
seu serviço. Estava quase a acabar este destacamento em Guidaje quando teve que
ir socorrer um milícia local, o qual tinha pisado uma mina numa zona próximo do
aquartelamento, de que tinha resultado a perda de uma perna. Quando ajudava o
milícia na sua deslocação para o quartel, aquele teve a infelicidade de pisar
uma segunda mina, o que provocou a perda da segunda perna, bem como a amputação
de uma das pernas do enfermeiro.
À
nossa chegada verifiquei as dificuldades em que o cabo se encontrava, pois
tinha perdido bastante sangue, os camaradas não tinham conseguido ainda pôr-lhe
o soro e tinha dificuldade em respirar pois encontrava-se num estado de extrema
debilidade.
Coloquei
os dois feridos nas macas colocadas na traseira do DO e dediquei a minha
atenção ao seu estado, enquanto voávamos para a Base. Curiosamente, o milícia
encontrava-se mais estável, apesar de ter tido as duas pernas amputadas. Quanto
ao cabo enfermeiro, consegui finalmente colocar-lhe o soro e dada a sua
dificuldade em respirar coloquei-lhe o Ambu[1], que
não é mais que uma bomba manual usada para aumentar o fluxo de ar para o doente
e consequentemente a sua oxigenação.
Foi
um voo extremamente duro - para o doente, claro, e para mim, que tive que dar
permanentemente ao Ambu, que o estado do doente assim o exigia. Em
casos graves como este, podíamos decidir pela transferência do evacuado para um
AL-III, que recebia o evacuado na placa da BA12 e o transportava directamente
para o hospital. Assim fizemos, transferindo o ferido para o heli e dirigindo-nos
para a placa do hospital, de onde o levei directamente para o bloco operatório,
onde era aguardado.
Devo
dizer que durante uma ou duas semanas continuei a sentir dores nos braços , devido
ao esforço feito com o Ambu durante toda a evacuação. Mas o meu trabalho
continuou e eu fui esquecendo este episódio.
Poucas
semanas depois, quando preparava no Hospital de Bissau a evacuação dos feridos
para Lisboa, a fazer no DC-6, percorria o Serviço de Recuperação do Hospital quando
subitamente ouvi atrás de mim um grito estridente: "Devo-lhe a
vida!". Recuperando do susto, dirigi-me ao doente, que me confirmou ser o
cabo evacuado de Guidaje, que tanto trabalho me tinha dado. Disse-me que
durante a evacuação tinha conseguido abrir os olhos durante uns momentos e, tendo-me
reconhecido (ele era do Hospital de Bissau), pensou: "Ao menos morro ao pé
de alguém conhecido". Mas não tinha morrido e estava até bastante melhor;
e pelo grito que deu naquele dia, estou convencida que terá conseguido
ultrapassar totalmente esta fase má da sua vida.
Giselda
Pessoa
[1] AMBU - Airway
Maintenance Breathing Unit - Bolsa
dotada de válvula unidirecional permitindo criar um fluxo contínuo através de
sua compressão.
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
P527: A PROPÓSITO DE UM ANIVERSÁRIO
O AGRADECIMENTO DO MANUEL "KAMBUTA" LOPES
A título excepcional, e dada a "enorme carga" de afectos que envolve o texto de agradecimento do Manuel Lopes (Kambuta) pelas mensagens de parabéns que recebeu de inúmeros membros da Tabanca do Centro, aqui o publicamos.
Meus amigos/as - Minha verdadeira Família Tabanca do Centro
Eu Manel, com a minha modesta educação, não posso nem devo agradecer
aos meus puros sinceros e bons amigos/as só com um "obrigado e passem bem".
Amigos/as, vou-vos transmitir o que sinto e o que o meu coração e
sentimento me obriga. Só sei dizer, gostava de ter um coração enorme, fazer
dele um salão de bem-estar para meter dentro dele e proteger e mostrar-lhe o
que sinto por eles/as à minha verdadeira Família, que são os meus verdadeiros amigos que tanto têm feito por mim sem se aperceberem, têm-nos ajudado a viver, a mim e à minha Hortense.
Vou prometer, tentar e fazer os possíveis, para voltar a ser o
Manel Kambuta que, sempre fui.
Abraços
PALAVRAS PARA
QUÊ
O Manel diz o
que sente
Diz o que lhe
manda o coração
Os verdadeiros
e sinceros amigos
São a sua
família/o seu irmão
Desejo-lhe o
melhor do mundo
O dobro que
quero para mim e para os meus
Mais não tenho
para lhe dar
Para todos vós
e para os seus.
Manuel
Kambuta
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
P526: MAIS UM VOO NOS CÉUS DA GUINÉ
O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91
estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual dos últimos voos.
Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e
possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados.
Como
tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a
inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai.
Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar
parte de fraco ao pé dos outros.
Mas
os antecedentes não ajudam muito... Já "fui ao charco" uma vez e não
gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os
outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há
poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim
recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na
iminência de ser "apanhado à mão", por isso é natural que esteja preocupado.
Aliás,
também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o
avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a
Martin-Baker* tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser
responsável pela perda de um piloto.
Logo
hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos
que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série
de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e
material que se interna na Guiné vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir
a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se
prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais.
Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.
O
avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não
falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar
no "cockpit" - controlo um último espasmo e enquanto subo a escada verifico,
penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou.
Coloco
o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o "check-list"
para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em
marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para
pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a
rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono
a descida da "canopy"** e faço sinal ao mecânico para tirar os calços
das rodas.
Tudo
OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem
do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao mecânico
que me deu a saída.
Toda
a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro
do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o
cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no
voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar
alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.
Finalmente
estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no "briefing" antes
do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que
contrasta com o nervosismo anterior. Os "Tigres" da Esq. 121 estão no
ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...
Miguel
Pessoa
* Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4
**
Cobertura da cabina
Foto 1 de Miguel Pessoa
Fotos 2 e 3 de autor desconhecido, cedidas pelo Paulo Moreno
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